Diagnóstico precoce para a microcefalia |
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Em 2015 o Ministério da Saúde confirmou a existência da relação entre o Zica vírus e o surto de microcefalia. Isso só foi possível graças à identificação do vírus pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), em amostras de sangue e tecidos de um bebê nascido, com a alteração encefálica, no estado do Ceará. Além desses dois achados, o vírus foi encontrado também no líquido amniótico de outras duas gestantes da Paraíba, cujos bebês apresentaram igualmente a microcefalia, além de outras evidências dessa associação. A partir desses casos, diversos estudos vêm sendo desenvolvidos para conhecer melhor como o vírus se comporta no organismo humano, principalmente durante a gestação. O que ficou conhecido como Síndrome Congênita pelo Zika Vírus, desenvolvida a partir da transmissão via transplacentária de mãe infectada pela picada do mosquito Aedes SSP ou por via sexual, é determinada por ocorrências clínicas como a calcificação intracraniana, ventriculomegalia e volume cerebral diminuído, podendo resultar em um conjunto de sinais e sintomas além da microcefalia fetal ou pós-natal, como por exemplo, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, anormalidades auditivas e visuais, desproporção craniofacial, suturas cranianas sobrepostas, osso occipital proeminente, excesso de pele nucal, epilepsia, irritabilidade, discinesia, hipertonia, hipotonia, hemiplegia, hemiparesia, espasticidade e hiperreflexia. No artigo publicado na edição de abril (30) da revista científica PLOS Neglected Tropical Diseases, coordenado pelo pesquisador do Instituto de Química da USP (IQ-USP), Marcos YukioYoshinaga, o grupo de pesquisadores conseguiu detectar fenótipos clínicos derivados da exposição pré-natal ao Zica vírus (ZIKV), que ocorreu por meio da comparação de perfis lipídicos do plasma de recém-nascidos expostos ao ZIKV com microcefalia e normocefalia, em relação aos de controles, ou seja, não infectados. Outros estudos já revelaram que o Zica vírus, ao atingir a placenta, desencadeia um perfil inflamatório que pode causar insuficiência placentária, prejudicando o transporte lipídico via placenta, processo que é regulado durante a gravidez. Com a deficiência na liberação de certas classes de lipídios, tais como os ácidos araquidônico e docosahexaenóico, pode haver déficits no cérebro e na retina do feto durante seu desenvolvimento. A partir dessa constatação, os pesquisadores compararam os perfis lipídicos do plasma de recém-nascidos microcefálicos e normocefálicos expostos ao ZIKV, com amostras controle, ou seja, não infectados. Os resultados das análises mostraram ter havido alterações importantes nos lipídios circulantes de ambos os recém-nascidos, com e sem microcefalia, expostos ao vírus, em relação aos controles. Essas alterações se refletiram em maiores concentrações plasmáticas de ácido hidroxioctadecadienóico (HODE), com ênfase para a sua forma isomérica 13-HODE, nos recém-nascidos microcefálicos, quando comparados com os normocefálicos expostos ao vírus e também os controles. Outra associação positiva dos HODE ocorreu em relação aos níveis de outros lipídios oxidados, assim como com outras classes de ácidos graxos livres circulantes nos recém-nascidos. Essas constatações levaram os pesquisadores a levantar a hipótese da ocorrência de uma possível assinatura plasmática de lipídios em recém-nascidos microcefálicos. Outra descoberta significativa, está associada a elevadas concentrações de lisofosfatidilcolina em normocefálicos expostos ao ZIKV, quando comparados aos controles, o que sugere que esteja ocorrendo a interrupção do transporte de ácidos graxos poliinsaturados através da barreira hematoencefálica dos fetos. A lisofosfatidilcolina (LPC) é um lisofosfolipídio que constitui a membrana plasmática e possui um papel importante na sinalização celular, pois está diretamente associada à albumina e à lipopoliproteínas. Em entrevista à Agência Fapesp, tanto Yukio quanto a pesquisadora da Fiocruz na Bahia, Isadora Cristina de Siqueira, acreditam que os resultados obtidos pela pesquisa revelam poder haver uma possibilidade de uso desses dados como marcadores laboratoriais, para diagnóstico precoce.
17/08/2021
Arlei Maturano - Equipe Biotec AHG |
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